Sant-Hilaire descreve o Caraça 1° - PAISAGEM - " A pouca distância de Brumado, começamos a subir... Subindo sempre encontramos aqui e ali algumas matas. As águas avermelhadas dos riachos nos revelam que se vêm procurar ouro nestes lugares desertos... Após uma marcha de duas horas, chegamos a uma espécie de planície, onde está situada a ermida de Nossa Senhora Mãe dos Homens. Grande número de riachos banha esta planície quase circular e bastante desigual. Nela há muitas pastagens e capões de mato. Embora muito acima da bacia em que corre o Ribeirão do Brumado, a planície se acha cercada de altas montanhas com uma só passagem que se abre ao lado, por onde se chega, quando se vem de Santa Bárbara. No sopé destas montanhas, há matos esparsos, mas nos seus cumes a vegetação é pouco abundante. Quase tudo é rocha nua... O viajante é surpreendido pela súbitya e imprevista aparição de um edifício tão vasto, em tal altitude e tão distante de toda habitação. Quem chega se acha num terraço, diante do qual foi plantada uma fila de palmeiras que entrelaçam sua folhagem elegante".
2° - O EDIFÍCIO - "É neste terraço que se eleva a ermida, dividida em duas partes, face a face uma da outra. Uma escada entre os dois edifícios conduz a um patamar, no mesmo piso que o primeiro andar da igreja..."
Toda a fachada do edifício, de uma a outra extremidade das alas, mede aproximadamente 23 passos, e cada uma das alas tem, no primeiro andar, seis janelas amplamente espaçadas entre si. A escadaria tem 18 degraus. Depois dos quatro primeiros ( 1 ), há um largo descanso, e os quatorze seguintes, mais estreitos, são margeados de cada lado por um corrimão de pedra, obra de bastante bom gosto. Em torno do patamar corre uma balaustrada, semelhante a da escada". "Há, diante da porta da igreja, uma espécie de pórtico, formado por dois pilares que sustentam a tribuna, onde está colocado o órgão. A igreja é pequena, mas muito ornada e possui bela e rica prataria, destacando-se os candelabros de prata dourada, irregularmente torneados. Em torno da igreja foi construído um corredor em forma de ferradura. Neste corredor há diversas capelas. Duas delas, mais notáveis e ricamente ornadas, se acham fora do corredor... Sobre o altar da capela direita há diversas estátuas de madeira que reproduzem algumas cenas da paixão. Na esquerda, se vê um corpo de cera, mui ricamente vestido, que encerra relíquias, vindas de Roma" (o corpo do mártir S. Pio).
"O pavimento térreo da ermida serve para depósito e também para a morada dos negros. O 1° andar é dividido em celas, destinadas aos eremitas e aos peregrinos. Tal é a ermida de Nossa Senhora Mãe dos Homens. Este estabelecimento data apenas de quarenta e poucos anos".
3° - O FUNDADOR - "É misteriosa a vida do Irmão Lourenço. Um dos Governadores da Província, no seu tempo, o tinha em grande consideração, o que faz suspeitar que pertencia a uma família condenada, sob o ministério do Marquês de Pombal, ,por crime de traição!..."
"O fundador vivia ainda nessa época de nossa viagem e tinha 92 anos de idade. Nascido em Portugal, retirara-se, primeiro, às montlanhas de Nossa Senhora da Piedade, perto de Sabará, mas chegando depois à Serra de Nossa Senhora Mãe dos Homens, maravilhado pela singularidade do sítio, resolveu levantar aí a igreja. Os oito mil cruzados que possuía não davam para a execução do intento, mas soube comunicar seu entusiasmo aos habitantes da região e, em pouco tempo, as esmolas foram suficientes para lhe possibilitar a construção do edifício já descrito..."
"O fundador pôs-se sob a Regra da Ordem Terceira de São Francisco e dez irmãos vieram morar com ele. Entretanto, de pouca duração esta espécie de mosteiro. O Irmão Lourenço não havia pensado no futuro. Com exceção de dois, todos os demais ermitães morreram e para substituí-los, ninguém se apresentou..."
"Parecia absorvido em profundas reflexões e, talvez, consigo mesmo, acusasse menos a rapidez do tempo que a inconstância dos homens. O nome do personagem extraordinário que reinou na França tinha chegado até aos ouvidos do Irmão Lourenço que saiu de seu acabrunhamento para nos perguntar o que era feito de Napoleão, depois de entregue nas mãos dos ingleses. Os benfeitores da humanidade vivem desconhecidos, mas o temor não tem a discrição da gratidão. A fama dos conquistadores chega até aos lugares mais ignorados. É o ruído do trovão que se faz ouvir ao longe e espalha o terror por toda a parte..."
"Resfriara-se a devoção dos habitantes da vizinhança, quando, pela sua idade avançada, o Irmão Lourenço já não mais podia reanimá-la. Diminuíram as peregrinações, cessaram as esmolas, e aquele grandes edifícios tão modernos só oferecem aos olhos ruína e antiguidade. Acompanhando o destino de seu fundador, declinaram à medida que os anos lhe iam pesando sobre a cabeça. Este ancião erra como uma sombra naqueles mesmos corredores que o seu zelo povoava outrora de eremitas e peregrinos. A sua cabeça enfraqueceu. A sua voz se faz ouvir com dificuldade. Em breve, não existirá mais e não se sabe o que será feito então de seu estabelecimento..." ( 2 )
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